Personagens de qualquer tipo de filme fazem coisas estúpidas, do mesmo jeito que pessoas reais também fazem. Com mais frequência do que se imagina, cabeças fracas, ou demasiadamente imaturas são convencidas a participar de atividades ilegais, imorais, ou simplesmente perigosas e as razões são as mais variadas, então não é difícil entender que todos os curtas desta antologia de terror, tendo o ano final do milênio passado como tema a ser explorado; mostrem precisamente as consequências destas irresponsabilidades. Afinal de contas, muitas expressões do gênero no cinema, têm como base o tal “quem procura, acha”. Um exemplo é a segunda história de V/H/S/99, que fala sobre uma jovem disposta a realizar uma espécie de sacrifício pessoal, para ingressar em uma Sororidade cheia de beldades da universidade. Não vamos entrar na discussão sobre o quanto ser enterrada viva por uma noite, é a ideia mais idiota, arriscada e sem sentido, independente do objetivo a ser alcançado com o ato porque, como já sabemos, sem comportamentos imprudentes, metade dos filmes de terror não aconteceriam. Não vamos falar também do entusiasmo em agradar estranhos, arriscando no mínimo uma expulsão da instituição de ensino por má conduta e no máximo, o que acaba acontecendo com a jovem naquela história. O que vamos questionar, não só neste como nos outros curtas, é a insanidade de documentar os atos criminosos, chegando até a… gravar um pacto de silêncio sobre o ocorrido (para posteridade?)… não-ironicamente.
Esta sequência da nem-sempre-bem-sucedida-franquia V/H/S, possui mais elementos da década de 1990, do que o antecessor V/H/S/94, lançado no ano anterior com este magnífico novo conceito de agrupar curtas por época no mesmo filme, responsável pela renascença do interesse por esta categoria de found footage, ou talvez esta seja a impressão pelas minhas lembranças adolescentes, que reconhecem as referências direcionadas ao público juvenil, enquanto que o conteúdo dos curtas de 94, respeitando a linguagem das transmissões e outros aspectos visuais daquele ano, tiveram assuntos mais maduros. É fácil identificar a inescapável cultura do skate, tão divulgada nos mais e nos menos famosos programas de t.v. dos anos 90, presente aqui em dois segmentos diferentes e com algumas pitadas da negligência necessária, como se estivesse prestes a gerar um efeito orgânico, de algo que o público nem sabia que precisava, como o fenômeno Jackass (2000-2007), produzido no auge da MTV. Reverenciando a era que antecedeu a democratização da captação de imagens, o filme retrata o bom e velho uso não autorizado da câmera analógica do irmão mais velho pelo irmão mais novo, logo na primeira cena, do que deveria ser o segmento de conexão entre os demais, mas acaba se transformando no quarto dos cinco curtas costumeiros. O ponto positivo considerando este e outros exemplos a seguir, portanto, é que a atmosfera é muito bem retratada, mas nostalgia não é o suficiente para dar conta desta bomba, estrelando uma maioria vergonhosa de histórias de baixa qualidade.

Com um grupo de personagens desagradáveis, desrespeitando o local de uma tragédia que matou outros personagens desagradáveis, o filme começa oficialmente e não muito bem. “Shredding” (que pode ser traduzido como “retalhar” ou interpretado como “arrasar”, se considerarmos o contexto de que este é um conto sobre bandas de rock e o termo em inglês é utilizado por guitarristas); fala utilizando bastante clichês de uma banda de adolescentes, tentando apavorar o baterista com uma visita a um antigo local de shows subterrâneo, desativado após um incêndio que matou os membros de outra banda. O que aprendemos é que os mortos do local eram ídolos dos visitantes, mas não faz diferença. Aprendemos também que aquela estava longe de ser a primeira visita ao local da tragédia, mas também não faz diferença e aprendemos que não há pé, cabeça ou coração investidos nesta narrativa. Com toda a preocupação em recriar as roupas, as gírias, a atitude inovadora de quem nem se dava conta do quanto era igual a todo mundo, eu não acho que era pedir demais um curta de abertura mais interessante, que fosse menos escrachado e com personagens cujo bem-estar fosse uma preocupação para o público. Se este não for o pior da franquia, está perto de ser. Em seguida voltamos a um cemitério, com as universitárias exigindo prova de fogo para quem quer participar do clubinho da popularidade delas. “Oferta Suicida” é o curta que definitivamente jamais deveria ter sua captação justificada, pelo conteúdo incriminatório que perseguiria as participantes, mesmo se o negócio desse certo, mas há pelo menos ótimas e angustiantes cenas no caixão, se estivermos dispostos a ignorar toda a lógica por trás deste argumento.
O britânico veterano de terror B Johannes Roberts dirige Oferta Suicida, a diretora de curtas independentes Maggie Levin está por trás de Shredding e o próximo curta, “A Masmorra de Ozzy”, tem o rapper Flying Lotus na direção. Tendo um gameshow apoiado no surrealismo, mas com o estilo inconfundível do canal Nickelodeon como pano de fundo, este é um curta que se comporta como um longa, em três atos, começando com uma adolescente se acidentando gravemente, ao tentar realizar uma prova impossível, para ganhar um prêmio sobrenatural. O meio da história mostra a família dela, liderada pela mãe enfurecida, exigindo reparação com sangue, na forma da tortura do apresentador do programa, em uma réplica do jogo improvisada na garagem de casa. O final, cuja última cena eu confesso ter apreciado bastante, é a redenção do apresentador ao tentar conceder o prémio ainda almejado pela adolescente. “Masmorra” teria sido uma ótima representação de um pesadelo nonsense, se o ritmo das suas três partes tivesse sido melhor conduzido, ou o tempo melhor distribuído. A primeira parte e a central são muito arrastadas e encorajam o vergonhoso ato de pular cenas, que eu quase fiz, sendo segurada pelo fio do comprometimento com o blog… De nada! Depois temos mais um crime em andamento sendo gravado, após mais uma longa série de manobras em skate com “Curiosos”, dirigido pelo pluri-tarefas cinematográficas (editor, produtor, roteirista…) com ênfase no terror Tyler MacIntyre. Neste, um bando de moleques apelam para uma atividade ilegal, para espionar a belíssima vizinha de um deles. Para o azar de todos, o simples ato de observar a moça, colocaria no chinelo qualquer punição que a polícia pudesse aplicar.

A cena final de Curiosos, consegue a proeza com um twist realmente inesperado, de recriar o sentimento de pânico gerado pelo primeiro curta, “Amateur Night”, do primeiro V/H/S, com aquela musa incomum e inesquecível para nós fãs, mas infelizmente, o caminho até o desfecho é chato e irritante. O último curta, “Até o Inferno e Voltando” do casal Joseph e Vanessa Winter (do maravilhoso DeadStream – 2022), é o mais adulto e direto ao ponto de todos os segmentos. Na história, dois leigos entusiastas do vídeo, se encarregam de registrar a invocação de um demônio feita por um clã de bruxas. Antes que a cerimônia comece, um intruso aparece e é expulso, mas não sem carregar de volta para o inferno a dupla, que continua gravando tudo enquanto tenta escapar para o mundo dos vivos. Este é um curta divertido e feito com consideração, que só perde pontos porque o inferno retratado é um pouco mais precário do que o descrito por Dante, por exemplo e a capetinha que acaba ajudando os cineastas amadores, tem a aparência de uma jovem modelo sujinha, com algumas próteses suaves pelo corpo, mas o problema é que a última e melhor história chega tarde, sendo também incapaz com suas falhas de carregar o restante do filme. V/H/S/99 conta com uma reprodução de época adequada, tem bons momentos, mas são poucos e o conjunto da obra resulta no segundo filme mais dispensável da franquia, perdendo apenas para V/H/S/ Viral.
