O trabalho de Michael Enslin deve ser muito divertido, ou deveria ser, se ele já não estivesse de saco cheio da verdadeira função que exerce: ser o estraga-prazeres que coloca um fim nas conspirações, nas lendas urbanas e portanto, na diversão dos outros, desmistificando supostos locais mal-assombrados, comercializados como atrações genuinamente sobrenaturais. Caramba Mike, deixa a gente brincar! Ganhando a vida como um investigador paranormal e escritor, ele deixou a literatura séria de lado há algum tempo, para lançar coisas mais fáceis de ler e de produzir, como compilações no estilo “Top 10 Mansões Mal-Assombradas”, ou “10 Cemitérios Mais Sinistros”. Medir o nível fantasmagórico de algum lugar, com seus aparelhos e instrumentos, ainda é uma rotina respeitada religiosamente, para manter a estadia profissional, mas o que Mike registra em seu gravador de áudio, são apenas as frases de efeito que ele usará mais tarde em uma publicação, sua maior prioridade. Ele não sente mais medo, está amortecido e mecânico em suas buscas, não tendo mais nenhuma ambição de encontrar provas da vida além túmulo. Motivo para entrar nesta vertente da literatura ele tinha e era legítimo, só que permanecer neste ramo decepcionante, é uma decisão unicamente financeira há algum tempo.

Durante uma pausa para o descanso em Los Angeles onde mora, entre uma pousada amaldiçoada e outra pelo país, Mike recebe pelo correio, anonimamente, o cartão postal do Dolphin, um hotel de grande porte em Nova Iorque, com um recado que ele encara como um desafio: “Não entre no quarto 1408”. A abordagem inusitada, no mínimo intriga o investigador que já se acostumou a servir como um guia turístico, para estabelecimentos decadentes que basicamente vivem do tipo de propaganda que ele gera indiretamente. As respostas evasivas e misteriosas, por parte dos funcionários do Dolphin, sobre a indisponibilidade eterna do quarto em questão, são vistas como uma ótima campanha publicitária, apesar de que com um pouco de pesquisa, o escritor descobre o histórico fúnebre e a contagem de vítimas de suicídios e mortes inexplicáveis naquele lugar. A justificativa do hotel para inutilizar o 1408 é plausível, mas a lei diz que se o quarto está vago e um cliente pede por ele especificamente, a vaga deve ser cedida. Pela primeira vez Mike se encontra animado novamente e como não estar? Nós também estamos, afinal este é um conto de Stephen King, com um hotel como pano de fundo novamente, mas por mais que O Iluminado seja uma referência automática, vendo o filme pela segunda vez, nota-se que um acontecimento significativo, um pouco antes de Mike passar pelo correio, é convenientemente esquecido pela história e descartado como um evento sem importância. Quando já sabemos o que espera o escritor e quem realmente enviou aquele cartão, a cena desvalorizada ganha um significado diferente. Algo ao estilo de Alucinações do Passado (Jacob’s Ladder – 1990), eu diria.  

Nova Iorque não é alguma cidade congelante e montanhosa no Maine e o Dolphin não é o Overlook. O hotel de 1408, cuja numerologia é somada pelo protagonista até chegar no emblemático13, está muito longe de ser um prestador de serviços no meio do nada, ou um estabelecimento que precisa fechar durante uma temporada, lotando quase diariamente como qualquer outro naquela cidade imensa e popular. O curioso é que nem o lobby movimentado, chacoalha a sensação de tormento que toma conta assim que o personagem de John Cusack chega para fazer o check in. Uma sequência, posteriormente esclarecida como erro de continuidade, mostra uma figurante sentada em um sofá em uma cena e desaparecendo do local na cena seguinte. O que torna o erro tão perceptível é o nosso estado vigilante, de quem não confia em nenhum canto daquele lugar desde o início. Estamos assistindo a uma bem executada e “moderna história clássica” (perdão) de fantasmas, com todos os proveitos que podemos tirar disso. Não, desculpe novamente, não é exatamente sobre espíritos, apesar de vermos uma cota respeitável deles nos momentos adequados. Este é um conto sobre algo maligno e eu lhe pergunto se podemos considerar monstruoso, quando um quarto de hotel se arruma sozinho, deixando até o chocolate no travesseiro, quando o hóspede não está olhando. A resposta é com certeza! Não me venham com piadas sobre boas maneiras, ou sobre mania de limpeza sobrenatural, porque se algo deste tipo, simples como ele foi descrito, acontecesse na vida real, seria um evento para dividir a vida de alguém entre antes e depois, de tão assombroso. A brincadeira é preocupante e está implícito que seria apenas o começo para o visitante.

Este é o tipo de empreitada que exige peixes fora-d’água no elenco. Além de Cusack no papel principal, temos na gerência do Dolphin o ator Samuel L. Jackson, que em outras produções resolveria o problema do acesso ao quarto mantendo a discrição, mas usando intimidação ao invés de suborno. O efeito infelizmente, seria a desistência da estadia e a história não teria seguimento, então Samuel precisa se conter e manter a postura diplomática do personagem. É algo estranho de se ver, mas funciona em conjunto com outro forasteiro, o veterano de filmes-cabeça Cusack, invadindo com seu cinismo habitual o gênero do espanto constante. Samuel alerta e implora, enquanto esperamos uma agressão e como ela não chega, o arrogante Cusack, ou o atrevido Michael recebe o sinal verde, porque espera encontrar mais do mesmo, como nós, quebrando a cara com o respeito ao livre arbítrio que o gerente exibe. Mike enxerga as primeiras bizarrices como ótimos truques publicitários. Atribui as primeiras aparições à bebida oferecida e ao chocolate. Presume que câmeras escondidas no quarto, não apenas monitorem as reações como também permitem que elas sejam programadas, como se ele estivesse em uma atração mal-assombrada de algum parque. Conseguimos simpatizar com a incredulidade dos céticos, só que com dezenas de mortes não apenas no mesmo hotel, mas atribuídas a um único aposento, não podemos deixar de condenar a imprudência. O cínico sofrendo as consequências da falta de terror, finalmente encontra o que procurava, quando a porta do quarto se fecha definitivamente e o telefone deixa de ser um instrumento confiável.

A história escrita por um cara familiar do terror, melhor sucedido na vida real com esta escolha do que o cara da ficção, talvez pelo respeito ao medo que King possui, tem como diferencial a dinâmica progressão de eventos macabros, acontecendo na maior parte do filme em um espaço bastante limitado, que não está longe da civilização, mas que também não pode contar com ela. O fato de que Mike, sozinho, precisa verbalizar os pensamentos o tempo inteiro para compensar pela falta de um narrador, irrita um pouco. O meio é outro e sendo uma adaptação, o filme poderia ter encontrado uma forma visual de fazer com que o público entendesse a linha de pensamento por trás dos planos de sobrevivência do personagem. Não é como se a produção não contasse com talento dramático suficiente. Mesmo assim, é uma ótima aventura ver Mike sendo transformado pelas circunstâncias, assim como ver todos as artimanhas utilizadas pelo quarto, incorporando traumas particulares do protagonista em uma assombração exclusiva, para que ele tenha o mesmo fim que outros hóspedes tiveram. 1408 é criativo e assustador, expandindo as paredes daquele quarto infernal, que não tem nada de especial na superfície, todo básico e genérico, ao mesmo tempo em que nos convence de que se trata de uma prisão inescapável e sufocante. De acordo com a gerência, ninguém dura mais do que uma hora no quarto, nunca. Será que Mike tem chances?