O que abre esta chave que Anna segura, com o cuidado de quem manuseia uma relíquia, é a pergunta que permeia nossas mentes coletivas na primeira cena, por alguns instantes até que um barulho suspeito naquela propriedade afastada, naquela hora da noite distrai todos nós. É Conrad, irmão de Anna, na primeira de diversas cenas do filme em que pensamos que sabemos o que está para acontecer e somos surpreendidos. Em estado terminal, Conrad se aventurou para fora do leito médico montado em casa, para se sentar na varanda e ver as estrelas, uma atividade inofensiva que a irmã condena como um esforço irresponsável. A verdade é que ela está apavorada, mas não há nada mais a ser feito. Ele já tomou todas as providências e se encarregou de todos os arranjos, enquanto ela prefere permanecer em negação, só que a ideia de perder o único e amado membro da família, não é a única causa da angústia da jovem. Um incidente na infância… ou uma sequência de incidentes, porque “eu jamais perdoarei o papai” é uma frase que nos faz presumir algumas coisas… mexeu com Anna de tal maneira, que fez com que ela se tornasse uma pessoa muito retraída e incapaz de lidar com a vida como adulta. O irmão é o elo de ligação com o mundo externo, porque Anna, sofrendo de agorafobia, não sai de casa há mais de uma década e ela permanecerá nesta condição até quando os ladrões invadirem a casa, deixando a porta aberta.

Apostando bastante no elemento surpresa, o filme utiliza algumas artimanhas, como escalar atores que geralmente veríamos em papéis opostos aos que eles interpretam aqui, como por exemplo o sempre, sempre nerd/boa gente/acanhado ator Martin Starr para fazer o mais estourado e instável do grupo de invasores e Rory Culkin (o menininho de Sinais – 2002 e o mais novo dos irmãos de Macaulay), geralmente visto como um desequilibrado em papeis recentes, mas aqui vivendo o personagem mais indefeso da história. Foi uma manobra simples para causar estranheza, que podemos também encarar como um aviso de que as aparências enganam de propósito no filme. O problema é que esta troca não funciona tão bem quanto se espera e eu juro que não estou dizendo isso por resistência pessoal, porque me parece que ainda que muito talentosos, certos atores estão um pouco perdidos e caricatos fora de suas zonas de conforto. O roteiro tem uma certa dificuldade, ou falta de interesse – por já ser tão competente para gerar imprevistos – em desenvolver os personagens além das impressões superficiais que temos deles, por suas ações e reações contraditórias por todo o filme, o que não deixa um material muito consistente para os atores trabalharem. Isto vale também para a impecavelmente escovada, maquiada, porém desleixada e traumatizada reclusa, que não leva nem o lixo para fora, mas recebe um estranho em casa e lhe oferece uma quantia absurda em dinheiro, como presente.

O filme do pouco experiente diretor Adam Schindler, contém uma fórmula clássica do suspense, com três criminosos que não tem outro caminho a não ser o desastre, por culpa das próprias personalidades conflitantes em uma situação tensa. Como sempre temos um líder mais sério, que não irá dar conta do entusiasmado que só queria uma oportunidade para machucar alguém, ou do ainda mais despreparado para a atividade ilegal, que só está ali porque os outros garantiram que o risco era zero. O elemento inesperado, que transforma o suspense em terror, é que mesmo que os sonhos lucrativos do trio tenham tudo para dar errado desde o princípio, eles vão ter a incompetência ofuscada por aquela casa gigante e cheia de entulho, que guarda mais segredos do que o suposto dinheiro escondido do qual eles ouviram falar. Conrad morre e obviamente Anna não vai ao enterro, para o desespero dos ladrões que nem sabiam da condição da garota. Seria melhor se, ao perceber a invasão, Anna tivesse fugido sem ver rostos, porque a fobia a mantém presa e quieta na residência, mas coloca os homens, marinheiros de primeira viagem, ou bandidos de primeiro delito, na condição de possíveis assassinos que não podem deixar testemunhas. No meio do embate sobre a melhor solução, os invasores demoram para perceber que além de não fugir na chance imperdível, Anna também não chama a polícia quando tem oportunidade. Ela não confia no mundo, confia na casa e vai usar todos os truques do local para tentar se salvar e reivindicar a responsabilidade pelo fracasso do crime, que certamente iria para os vilões oficiais, em outro tipo de história.

Invasores é um filme divertido, que surpreende em vários momentos e faz uso inteligente da locação única, mas é falho em providenciar informações importantes para o esclarecimento de diversas dúvidas. A origem do dinheiro é uma delas, a viabilidade do projeto mantido no local, desde antes de Conrad adoecer, é outra dúvida. A narrativa conta um pouco demais com a sorte que a protagonista tem, por conta do amadorismo dos oponentes, mas isto nem pode ser uma reclamação legítima sobre o filme. As circunstâncias são as apresentadas e os personagens utilizam as armas disponíveis, mesmo que as vezes isto signifique escapar de uma situação, não pela própria esperteza, mas pela burrice alheia. O final é poderoso, ou empoderado, não exatamente inovador, mas diferente no modo como é filmado e super apropriado, salvando o último ato na história que ia perdendo força gradativamente, desde o ponto em que a vantagem do jogo muda de lado no filme e a direção se encontrou com poucas ideias sobre como prosseguir de uma maneira interessante. Com pistas fracas, um dos criminosos decifra o propósito da casa e isso é bom, porque a história é um pouco misteriosa demais para nos deixar descobrir sozinhos e também é péssimo, porque o trabalho do roteiro é nos conduzir pelo que precisamos ver e não terceirizar explicações. Ganha pontos por mexer com nossas expectativas o tempo inteiro. Perde, pela falta de atenção a detalhes que deixariam o filme em um patamar mais elevado. Assista pelo entretenimento.