Apesar das praias e das palmeiras que decoram suas glamurosas avenidas, do clima tropical e da paisagem dominada por casas espaçosas, atípicas das selvas de pedra que são outros locais igualmente grandes e povoados, Los Angeles é considerada uma cidade fria. Se a vida der certo ali, maravilha, se der errado, dá muito errado! Frequentemente o cinema reforça esta ideia, de que aquele é um lugar aonde os sonhos vão para morrer, seja em forma de sátira, como a absurda indiferença à criminalidade de L.A. Story – 1991 (o povo sai da fila do caixa eletrônico e entra na fila do assalto), uma comédia focada na superficialidade que virou a cultura da cidade; ou seja com filmes mais sérios como Cidade dos Sonhos (2001) e Demônio de Neon (2016), que mesmo cheios de alegorias, alertam forasteiros da realidade do quanto é fácil se perder e perder a cabeça, no meio de tanta gente com aspirações semelhantes de estrelato, ainda que o talento esteja presente. São tantas histórias reais de fracasso, sobrepondo as pouquíssimas de sucesso, que não há outra alternativa na mente coletiva dos americanos, além de declarar a “cidade dos anjos” como um lugar perigoso e excessivamente competitivo, para o qual é preocupante ver familiares e amigos migrando. Citando a fala de dois personagens deste filme, que apesar das percepções drasticamente diferentes de certo e errado, concordam que a qualificação mais suave da cidade permanece grave: “Los Angeles é uma cidade solitária”.

Deixando para trás um ambiente familiar decepcionante, Sarah chega na terra do entretenimento sem expectativas além de ter o próprio apartamento e conseguir pagar as contas. Como qualquer pessoa naquela cidade, ela adoraria fazer parte da indústria cinematográfica e nem é nada muito ambicioso, como estar na frente das câmeras, mas este sonho pode ser colocado de lado sem angústia, por enquanto. O pai continua ligando e ela continua ignorando, preferindo estar em um lugar famoso pelas desilusões, a voltar para casa e ter o coração partido novamente. O que Sarah faz no novo emprego não importa, nem a hostilidade clássica entre funcionários a assusta, o importante é que é temporário e não a consome tanto, possibilitando que ela desenhe e costure seus figurinos como uma atividade secundária despretensiosa. Estar longe dos parentes é a primeira preocupação, um lugar seguro para morar é a segunda… o que vier depois disso, é lucro! É a conclusão nobre para qualquer pessoa com o ego controlado e um bom coração. Mal sabia Sarah, que qualidades louváveis também atraem abutres, mesmo que eles sejam de uma espécie diferente. 

O que chama a atenção até de um público internacional, não familiarizado com a cultura de Los Angeles, ou com os filmes mencionados acima, é o clima aconchegante e amigável que Sarah encontra no novo condomínio. Isto porque não é apenas estranho para um lugar que salienta com poucas, porém marcantes cenas, que se trata de uma cidade insensível. Para qualquer pessoa que não more em uma cidadezinha, o espírito colaborativo e prestativo dos vizinhos é no mínimo, fora do padrão. No entanto, eu não estou mencionando a cidade que serve como pano de fundo atoa, porque esta história só funcionaria nela. É necessário que exista uma base sólida, que consiste ironicamente em desamparo de maneira generalizada e incorporada como algo banal pela população, para provocar a solução drástica encontrada pelos condôminos, provavelmente tão estrangeiros e desacompanhados quanto Sarah ao chegar ali, que devolveria aos moradores o sentimento de viver em uma comunidade de verdade, dentro da cidade grande. A gentileza inesperada conquista a jovem, junto com um solteiro encantador da idade dela, vivendo no mesmo andar do prédio baixo, que cerca um belo pátio com piscina, fazendo com que ela não hesite em mentir no formulário de requisição, sobre a regra contra animais de estimação. O gatinho de Sarah seria capaz de gerar uma treta? Sim! Só que não faz tanta diferença quanto imaginamos no início do filme, porque treta entre vizinhos não chega nem perto de descrever o que acontece naquele lugar. 

Nesta versão californiana de O Bebê de Rosemary, sem o bebê, sem o anti-cristo, mas com os vizinhos conspiradores e a imposição de uma condição absurda e de difícil (senão impossível) escapatória, a intenção por trás da farsa inicial, precisa compensar o fato de que ela é desmascarada no susto, quando o filme não está nem na metade. O mistério some de uma hora para outra, quando ainda buscávamos no sobrenatural, explicações para os barulhos que somente a nova moradora ouvia na madrugada. O que não desaparece e na verdade só aumenta é o suspense, com doses cavalares de terror na forma de violência física e psicológica que se apoiam em um ideal macabro. A revelação precoce do segredo do filme, joga o público em um território inesperado e bem original, um feito e tanto no terror moderno, que merece elogios. Discussões sobre a viabilidade do projeto conduzido naquele prédio, na surdina e com a participação obrigatória de um monte de gente diferente, gerando implicações legais e morais, nunca abandonam a narrativa, mas nunca ficam no caminho da diversão que é acompanhar a trajetória de mais nova inquilina em tudo isso. O que ela vai fazer para escapar? Será que ela escaparia mesmo e se conseguir, saindo gritando pelas ruas daquela cidade… o povo que mora nela vai se importar o suficiente para prestar socorro?

O Apartamento, um filme de baixo orçamento dirigido por David Marmor, novato na função, mas veterano em efeitos visuais para diversas produções de grande porte, fala sobre aparências, sobre impressões iniciais e como usar as ilusões das pessoas contra elas mesmas. Ninguém escapa de levar uma rasteira na história, nem o público (que ganha um twist extra no final do filme) e nem mesmo os vilões dentro dele, pareciam ter todo o controle da situação… contra adversários considerados fracos, inexperientes e indefesos. Até a atriz principal, que surge com seu look de modelo e sua doçura cativante, surpreende em um papel que exige muito mais do que um rosto bonito. A história se torna algo muito diferente do que qualquer um poderia esperar, mas o filme não é só bom pela inovação e sim pelo modo como a ideia é explorada, com profundidade e complexidade. Seria o fim da picada conduzir de maneira rasa, a proposta de examinar tanto o fenômeno da apatia que toma conta da cidade, quanto a resposta artificial de quem gostaria de acabar com a falta de amor, na marra.