Dirigido por Tarsem Singh, que na época trabalhava com videoclipes e logo após este filme, entrou de vez no mundo do cinema, A Cela é uma ficção-científica de terror sobre uma ferramenta (utópica, por enquanto) de alta tecnologia, usada para tratamento psicológico de pessoas em coma. Nesta forma futurista de terapia invasiva, um profissional da saúde mental recebe acesso aos sonhos do paciente, podendo participar deles, com o objetivo de realizar as sessões naquelas circunstâncias incomuns e despertar o sonhador, que estaria em coma por conta de um trauma que a mente não conseguiu processar. No momento, o tratamento possui apenas um paciente, ou quase isso, já que qualquer terapia leva muito tempo e a família do submetido precisa ter fé no relato da terapeuta, quando ela afirma que o progresso está em andamento, sem conseguir ao menos provar que a tecnologia funciona e que não está simplesmente dormindo ao lado do enfermo. Eis que surge uma oportunidade de ouro para confirmar a eficácia do procedimento, com outro paciente em coma, só que a mente deste é bem mais problemática e traiçoeira, com o risco de traumatizar quem se aventura dentro dela. Mas não há escolha, porque uma vida está em perigo e não é a do dono da mente em questão.
O filme foi um grande sucesso de bilheteria e está repleto de rostos bonitos, com o mais proeminente sendo o de Jennifer Lopez, sempre uma competente atr… cantor… bailarina, ela é uma ótima bailarina! Existe um esforço descomunal no filme, para que em momento algum ela deixe de ser vista como uma diva. Sempre maquiada profissionalmente e vestida impecavelmente, ou despida, na vida real e nos sonhos de alguém, dando um pouco menos de credibilidade que a personagem principal de um filme tão surreal precisaria apresentar. A escolha da estrela de talento duvidoso foi arriscada, mas era um reflexo do ano em que Jenny from the Block dominou o mundo, só que a aposta certamente afetou a seriedade da produção. Ela não é a única responsável pelos problemas do filme, mas se o contrato da Srta. Lopez não permite vulnerabilidade que a tire do patamar da perfeição, com suas constantes mudanças de penteado e nenhuma gota de suor, a produção fica primeiro a serviço dela e depois de qualquer outra coisa. O autor Mark Protosevich, fala que sua história sofreu tantas alterações de outros escritores, que por sinal nunca receberam crédito, que ele se recusa a reconhecer como sua a criação do roteiro.

Dentro desta ideia meio Matrix (1999), outra obsessão visual da época, de resolver encrencas mentalmente, a captura do vilão sem um confronto prévio com a polícia, ainda é a melhor coisa do filme. Os policiais, todos eles, estão fora de perigo porque o assassino sofre um ataque nervoso congênito, antes de o cerco se fechar. A urgência da investigação fica agora por conta da vítima mais recente, que foi sequestrada e presa em algum lugar deserto e desconhecido das autoridades, em uma gaiola fechada, automatizada e prestes a inundar, afogando a jovem em uma questão de horas. A salvação da única que está fisicamente comprometida, é J. Lo, que ao estilo de Neo, Morpheus e Cia., corre o risco de ficar conectada “emocionalmente” ao assassino durante o procedimento, caso ele consiga fazer com que ela acredite que aquele mundo horrendo de violência dentro da cabeça dele é a nova realidade. Falando nele, não é nada mal ver Vincent D’Onofrio, um ator sem medo, que se doa completamente pelo personagem, no papel do serial killer, divando algumas vezes tanto quanto a estrela pop, em um filme com sequências pesadas de tortura mental e física, que merecia um pouco mais de consistência.
O maior atrativo do filme no lançamento, eram os efeitos especiais e a direção de arte. Visualmente, a criatividade dos cenários ainda impressiona, mas depois de um tempo, audiências antigas ou modernas tendem a se cansar do conteúdo excêntrico e enxergá-lo pelo que ele realmente acaba se tornando: excesso de estilo para mascarar a falta de substância. Não é atoa que chamaram um cara experiente em compor imagens de encher os olhos, mas a sensação é a de assistir a um longo clipe musical, com intervalos nos quais uma história cheia de potencial, mas pouco explorada acontece. Figurinos incríveis, movimentos de câmera inventivos e imagens extraídas de pinturas belíssimas, mesmo que assustadoras e este conteúdo rico em criatividade e muito bem tratado, teria se tornado realmente memorável, se fosse menos aleatório. Até para a época, por mais interessantes que as imagens fossem, não era nada que não tivéssemos visto antes e eu não estou falando por falar. Tem uma cena aqui que eu reconheci de um clipe da Madonna de 1994, sem brincadeira, o nome da música é Bedtime Story.

A Cela é bonito de se ver, ousado em alguns aspectos, mas falta profundidade. A protagonista sussurrando suas opiniões, ao invés do costumeiro “barraco” visto em personagens com menos credenciais científicas, não é o suficiente quando o filme termina e não sabemos nada sobre ela. Seus colegas de trabalho juram que ela foi altamente recomendada para a função, mas não há uma amostra real da abordagem única daquela profissional. Na verdade, ela consegue ser literalmente abduzida pelo serial killer durante uma sessão e sem muito esforço dele, ela vira a casaca, se mostrando super fraca e forçando uma pessoa sem treinamento nenhum, a invadir a mente alheia para resgatá-la. O filme ainda quer nos convencer de que esta mulher, mesmo não conseguindo resultados significativos com o primeiro paciente em muitos meses, será capaz de decifrar a mente do assassino em algumas horas. É um prazo idiota para início de conversa. Por que não fazer o mecanismo da prisão da vítima, e a quantidade de suprimentos, durar pelo menos alguns dias? Seria a chance do filme explorar o tema proposto, com mais cuidado e veracidade, mas você quer saber o que é pior? Pensando melhor sobre o desenvolvimento da história, fica claro que se os detetives tivessem feito uma investigação atenta, já que acesso à identidade e aos pertences do vilão em coma, não eram um problema, eles teriam encontrado a mulher desaparecida de maneira tradicional, sem nenhum envolvimento de clipes ou artistas da indústria musical.
