Contrariando as súplicas da mãe, viúva de um policial, a novata Jessica se encaminha ao departamento de polícia, para começar o primeiro plantão já no primeiro dia de trabalho. O que deveria ser o alívio para a mãe, é que a tarefa de estreia com o distintivo e o uniforme azul, consiste em tomar conta sozinha do precinto que está sendo desativado, apenas por algumas horas, ou seja, não há patrulha a ser feita, nem presos nas celas, o serviço telefônico de emergência já foi transferido para o prédio novo e em breve, uma equipe especial de transporte irá chegar para completar a transição. É simples, seguro e perfeito para quem se preocupa com a filha começando em uma profissão tão exigente e imprevisível. Talvez não seja tão indicado para a própria Jéssica, que não pode ter a impressão falsa logo de cara, de que o trabalho é suave. Mas eu estava pensando em algo como uma briga de bar, ou uma tentativa de assalto para começar, não precisava ser oito ou oitenta no primeiro plantão… bem que a mãe dela avisou!
Last Shift do diretor Anthony DiBlasi, que também é o responsável pelo remake desta mesma história, lançado em 2023 sob o título “Malum”, inicia com um terror insinuado dentro de um suspense declarado, quando a protagonista supostamente enfrenta o que parece ser a rotina de qualquer guarda noturno. Ligações que chegam por engano, sanduíches intragáveis, prostituta testando a paciência e o clássico… bêbado molambento que só aparece para dar trabalho. O terror está presente, porque estamos prestando mais atenção aos detalhes do que a plantonista, que não espera mais daquela noite do que o de costume para o horário. No começo, Jessica está se esforçando para se manter alerta, mas quem não consegue relaxar é o público. Ela pode estar sozinha, mas entende que não está isolada, com rádio, telefone e contato constante com os colegas no precinto que está sendo inaugurado. As portas são de vidro e podemos ver os carros passando, há movimento constante na rua, também há muito barulho no prédio, mas o encanamento é antigo, ela não está familiarizada com o local, não tem certeza de que todas as saídas estão fechadas, de que não tem ninguém “brincando” com ela… aí um movimento inexplicável de objetos acontece bem perto dela, deixando óbvio que este filme não será como Assalto ao 13º Distrito (2005).

Manter a personagem principal na busca por respostas racionais, para eventos que já percebemos como sobrenaturais, é um belo truque para segurar a novata no local, até que fugir dele vire um desafio. Assim como é de grande valia reforçar o quanto Jessica é inexperiente, o quanto ela, sendo filha de um policial morto em serviço, tem medo de parecer inapta para os colegas que ainda nem conhece. Você já imaginou manchar sua reputação no primeiro dia no emprego, e não um emprego qualquer, um trabalho que exige treinamento e se torna uma carreira, por alegar que está sofrendo assédio demoníaco? Que tipo de policial despreparado tem medo de ficar em um prédio vazio? Dá para imaginar a gozação? Seria o fim antes mesmo de começar. Então, passando por incidentes inexplicáveis e cada vez mais assustadores, ela sofre sozinha, requisitando ajuda enquanto esconde informações cruciais sobre a própria situação e assim, nunca obtendo a assistência necessária. A verdade é que alguns membros da força policial já sabem, mas não avisaram, que o lugar se tornou amaldiçoado após a captura de uma família de satanistas homicidas, que se suicidou na cela. O que aqueles espíritos estão fazendo ali, é o mesmo que faziam em vida: atormentar inocentes, com o objetivo de fazê-los aderir à causa deles. Exatamente por isso, um dos elementos mais importantes e estressantes de observar no filme, é o relógio de parede na recepção, que mostra quanto tempo Jessica ainda precisa aguentar a tortura, até poder passar o plantão.
Em um lugar, ou em um estado mental no qual não se pode contar com a eletricidade, seja porque o terreno amaldiçoado é instável, ou porque a policial está sempre em desvantagem com suas alucinações, este baixo-orçamento possui excelentes planos-sequência nos quais o ponto de interesse fica iluminado apenas com a pequena lanterna que a moça carrega. A coreografia funciona muito bem para que ninguém se perca nos corredores, entre portas que às vezes estão trancadas e às vezes escancaradas, para que os atores saibam quando aparecer e quando sumir, sem precisar de cortes escondidos e para que o rosto de Jessica esteja sempre iluminado com discrição. Dizendo isso, é bom também parabenizar o uso inteligente da locação, que é apenas uma por todo o filme, mas complexa o suficiente para não nos cansar e tão bem explorada, com a garota checando o prédio o tempo inteiro atrás da fonte do distúrbio constante, que o público não consegue evitar de decorar onde ficam determinadas sessões. A única coisa que sofre com a falta de grana na produção, é a maquiagem de algumas cenas, porém, a solução fica por conta de vilões sobrenaturais que compreendem a limitação do orçamento, se apresentando literalmente como fantasmas embaixo de lençóis.

Se estamos à frente de Jessica no início do filme, em relação ao perigo que a cerca, a direção remove este privilégio quando menos esperamos, nos jogando para dentro da paranóia ocasionada pelas diversas surpresas da história. Como acontece com a protagonista, acabamos não respeitando o potencial para o desastre que aquele lugar representa, ou a dimensão do poder de influência dos seres que só se materializam quando querem, mas que estão sempre presentes. Até a musiquinha que o grande vilão compôs, para controlar melhor os seguidores do culto dele, vira uma melodia-chiclete que permanece com o público após o fim da história, para o nosso desespero. Não é uma produção perfeita, mas não promete nada e entrega bem mais do que se espera. Cenas impressionantes em uma narrativa que quando pega no tranco, não dá trégua para ninguém. A cena do corpo que se arrasta pelo chão e depois começa a levitar, não é sem falhas, mas é fascinante e sinistra o suficiente para paralisar Jessica e a nós também. Ela não pode confiar em nada do que vê ou escuta. Não haverá reforço para esta guerreira que, coitada, repete o juramento da academia nos momentos de maior tensão, como se fosse um mantra salvador. Era melhor ter tentado a Ave Maria.
