Foi só o filme anterior ter feito um pouco de sucesso, ressuscitando, literalmente da morte, a marca de filmes de terror especializada em curtas caseiros, que os produtores já se animaram para dar continuidade a uma categoria nova dentro da categoria original, com a adição de um tema ao qual todos os segmentos precisam agora obedecer, ou seja, não basta ser apenas sobrenatural, found footage e antológico. Os curtas, sempre criações originais e realizados por cineastas completamente diferentes, também têm que pertencer à data estipulada no título. É claro, o êxito de V/H/S/94 não se deu somente pela nova exigência no formato, que já não era tão nova e V/H/S/99, o precursor desta configuração, foi decepcionante. Se a maioria das histórias não for pelo menos interessante, o filme não vale a pena. Então eu me sinto muito bem em afirmar, que o 85 é um dos melhores da franquia, com apenas uma história mais fraquinha. Truques e renovações certamente chamam a atenção do público, mas nada pode substituir a qualidade de um roteiro e o cuidado na execução dele.
Eu sempre tiro o chapéu para qualquer produção capaz de recriar uma época que não a atual, com competência e entusiasmo, porque a empreitada deve ser um trabalho de cão e estamos falando aqui de equipes de filmagem distintas para cada curta. O conjunto da obra demonstra uma sintonia incrível de direção de arte, em todos os cenários, objetos e também no tratamento de áudio e vídeo, para que pareçam autenticamente amadores e antigos. É visível o quanto está todo mundo se divertindo com roupas e adereços, cabelos e é claro, bigodes… um dos maiores patrimônios da década retratada. O filme não tá nem aí para o nosso entendimento de modernidade, jogando um 4:3 na proporção de tela, mas não é apenas pelo formato de gravação de câmeras domésticas da época, já que entre as histórias apresentadas, temos as que supostamente são captadas por equipamentos profissionais. Mesmo com referências ao terror dos anos 80, a verdade é que a linguagem do filme, com seus comerciais aleatórios, a simulação da troca constante de canais e a sobreposição de imagens, típicas da fita de vídeo reutilizadas, é a de uma transmissão de televisão que foi invadida por imagens que nunca deveriam ter sido divulgadas, enquanto o videocassete gravava acidentalmente estas imagens, em uma madrugada qualquer. É a série V/H/S se aproveitando para mergulhar de vez na ideia que propôs lá no primeiro filme, quando finalmente acontece no ano em que o vídeotape estava no auge da popularidade.

Como sempre, existe uma história para a qual o filme sempre retorna entre um curta e outro. Em edições anteriores da franquia, este “curta-elo” era quando uma galera encontrava o conjunto de fitas malditas, depois da invasão ilegal a algum domicílio abandonado. Isto não acontece aqui, porque como já foi dito, a gravação é uma só, então o elo de ligação fica por conta de um documentário falso, que aparece por baixo das outras gravações, como se fosse a primeira coisa para a qual a fita de vídeo foi usada. Com cara de ficção científica de terror B ou C, como aquelas para serem vistas e apagadas da memória, porque a história era ridícula e a produção era tosca, o curta-base que aparece aos poucos por todo o filme, conta a história de Rory, o “menino gosma”, que imita tudo o que vê… e o que ninguém sabe que ele vê, com uma precisão bem artesanal, para o espanto dos cientistas que o estudam. O segmento entitulado “Cópia Total”, não possui atuações mal feitas nem como paródia, é que o conteúdo é tão brega e exagerado, que não faz diferença se os atores são bons ou ruins e eu acho que é essa a ideia. A linha seguida é a do terror brando, como todos os outros neste filme, que parecem terem sido também instruídos para não dar prioridade ao medo.
O primeira história oficial, é à primeira vista uma referência a um dos maiores slashers do cinema de terror, Sexta-Feira 13, com sua versão alternativa do acampamento Crystal Lake. Os jovens chegam ao bosque na beira do lago e a gente imagina de tudo, menos o que acaba acontecendo. “Sem Funeral” é um conto típico do gênero, até não ser mais e se transformar de apavorante para intrigante, com direito a vazamento deste curta para outras partes do filme, algo inédito na franquia. Na segunda história, que em língua espanhola rompe uma fronteira real e usa uma tragédia também real (um terremoto no México) como ponto de partida, o prédio de uma emissora de televisão fica destruído durante um noticiário, provocando diversas mortes e cenas familiares para nós, ainda mais com tragédias cada vez mais frequentes. Uma equipe de resgate encontra apenas um sobrevivente, mas com o prédio desmoronando, escuridão e as saídas tradicionais obstruídas, os bombeiros apelam para as passagens e os buracos disponíveis. O problema, é que ao invés de chegar à rua, estes acessos estão levando todos para andares cada vez mais baixos e estes parecem não ter fim. Algo indica que em “Deus da Morte”, um curta claustrofóbico e violento, a natureza pode ter recebido um empurrão de outro tipo de força destrutiva.
A terceira história é a mais arrastada de todas, mas eu também reconheço que ela pode ser exatamente uma crítica ao tema que aborda. Em “TKNOGD”, ou TecnoGod, uma sessão de arte performática demonstra repúdio pela tecnologia moderna. Chatinha, pretensiosa e abusada, a artista decide literalmente invocar o deus da plataforma digital… e ele aparece! O público está lá como testemunha e até poderia ajudar, mas artista é tão cínica e aleatória com a própria arte, que o terrível encontro pode ser apenas parte da apresentação. Na quarta história, cheia de twists muito bem vindos, uma família tradicional americana está registrando o que parece ser uma confraternização recorrente. Avós, tios e crianças, se reúnem para uma celebração fora do comum, só que eles não são os únicos com surpresas na manga. “Ambrosia” foi a história que mais me fez sentir genuinamente nos anos 80, talvez pelo clima descontraído de uma gravação caseira muito bem reproduzido aqui. Ela é também, pela loucura de um caos interminável no qual ela se transforma, uma das minhas favoritas.

“Dreamkill”, que eu não acho uma boa traduzir, para não transformar o título em algo saído da sessão da tarde, é a última e mais assustadora das histórias, mesmo que o sentimento não seja provocado pelo aspecto sobrenatural da história. No curta, que vemos através de diversas câmeras, como se tivessem sido editadas na mente de alguém, reforçando a auto-descrição de V/H/S/85 como “uma transmissão sinistra de pesadelos esquecidos”, a polícia recebe fitas de vídeo de assassinatos macabros, mostradas do ponto de vista do assassino, dias antes dos crimes acontecerem. De acordo com o diretor Scott Derrickson, esta história se passa no mesmo universo de um de seus longas, O Telefone Preto e se você ver os dois, notará algumas referências. No geral, todos os curtas formam um bom conjunto, para manter o 85 na porção boa da franquia. Eu sugiro que você acompanhe os créditos finais, para ouvir a canção tema hilária, feita especialmente para este filme. Como era de se esperar, a câmera que é carregada para todos os lados, não é totalmente necessária o tempo todo, mas isto é típico de todo found footage. É inovador, pero no mucho!
