De acordo com a historinha de Larry, o vilão sobrenatural de Vem Brincar, com o nome mais inofensivo desde “Freddy”, e eu espero não estar estragando o filme para ninguém com esta revelação, mas, é que ele não vai desistir até conseguir o que quer. A perseverança em tom de ameaça, da entidade maligna que só existe para se aproveitar dos já vulneráveis, não deveria estar na minha mente em um determinado momento do filme, quando uma solução inteligente é posta em prática, afastando a criatura de suas vítimas, mas duas certezas na história nos impedem de baixar a guarda e comemorar, ainda que por um breve momento. No mundo moderno em que vivemos, onde aparelhos eletrônicos se tornaram um direito adquirido, o jeitinho encontrado para derrotar o bicho, é imediatamente classificado como uma solução de curtíssimo prazo. Ou seja, a primeira certeza é que eles devem pensar rapidamente em outra saída, ou ceder ao monstro de uma vez. A segunda certeza, é que naquela altura do filme, o diretor Jacob Chase já tinha nos passado a perna tantas vezes, nos fazendo pensar que uma sequência iria em uma direção, sendo que o caminho era outro, que não tinha como dar tanta confiança para o entusiasmo de quem tinha acabado de escapar de Larry, um vilão com regras propositalmente voláteis. 

O argumento para o filme, eu confesso, é fraco. Um monstro que rastreia solitários, se escondendo atrás das telas que prendem as atenções por muitas horas. Com uma aparência assustadora e criado através do sentimento do abandono, ele precisa de um amigo, por isso “caça” quem não os têm. Bom, se gente viciada em celular é o que ele procura, eu diria que Larry teria resolvido seus problemas há muito tempo, arranjando uma cambada de amigos pelo mundo inteiro. No entanto, neste terror cheio de camadas e com coragem para abordar questões inusitadas para o gênero, o vilão é um ótimo marqueteiro pessoal, porque para dar o bote, ele precisa convencer a todos que é razoável e só está em busca de aceitação. Além disso, o modo como ele persegue um alvo, se locomovendo de maneira sobrenatural por um ambiente, com o auxílio do que mais temos de palpável, garante cenas de suspense eficientes e capazes de induzir crises de ansiedade. Seja em pequenos cenários de dia e de noite, ou em espaços bem abertos, onde a inércia de um personagem é plausível… já que não há para onde correr, a movimentação da criatura é sempre pavorosa.

Talvez o primeiro dos temas discutidos na história, seja uma certa crítica à substituição da convivência familiar, por aparelhos com acesso a todo o tipo de conteúdo e consumido em massa pela criançada. Não chega a ser este o caso específico do protagonista do filme, uma criança autista não-verbal que utiliza o celular para o entretenimento e também para se comunicar, mas mesmo depois que o uso excessivo é rapidamente justificado para o menino Oliver, a obsessão do monstro por uma “companhia perfeita”, faz a questão estar sempre presente. Novamente, a escolha de um nome comum masculino, para um ser verdadeiramente demoníaco, que ataca o pai e a mãe da criança quando estes estão sozinhos (e o alvo infantil não está por perto para ver), me faz pensar que o comentário do diretor sobre perigos online prevalece, sobre a utilidade do instrumento de comunicação para um vulnerável. Depois de um episódio de bullying, motivado exatamente por ciúme do privilégio de Oliver, em manter o aparelho durante a aula enquanto outras crianças não podem, o celular é perdido, mas em pouco tempo substituído por um tablet, garantindo duas conclusões: não era o objeto que estava amaldiçoado, portanto, o monstro terá como entrar em contato novamente e… o pai que está saindo de casa e com quem a criança convive pouco, continua sendo o herói, se comportando como um padrinho. Três conclusões na verdade… com aquela pouca idade na classe, todo mundo se acha no direito de ter um celular.

Outro tópico abordado sem frescuras no filme, é o papel da mãe (Gillian Jacobs), no desenvolvimento de Oliver. Sarah é a primeira a admitir, entre as justas cobranças de mais participação do pai Marty, que ela cometeu muitos erros, por ter aceitado (parcialmente) as limitações emocionais do filho e portanto, agido muito tarde para buscar a ajuda de profissionais indispensáveis para o desenvolvimento do menino. Oliver é bem pequeno, com seu pijama temático e um copo infantil, mas um fonoaudiólogo bem mais cedo, teria sido crucial na vida social do menino, dispensando eletrônicos no momento atual. A criança não olha nos olhos da mãe e ela não o consulta nunca, buscando soluções que acredita serem as melhores possíveis e o público concordaria com ela, se não tivesse o ponto de vista do menino. Uma dessas decisões equivocadas, resulta em uma das melhores sequências do filme, envolvendo um monte de moleques em uma mini-aventura horripilante. Em uma situação forçada e evitável, os bullies de Oliver fazem as pazes dormindo na sala com o menino. Larry aparece e Sarah demora para ouvir a perturbação, mas não se trata de uma crítica às atitudes da mãe, ou de qualquer mãe de filhos típicos ou atípicos. É uma reflexão apenas e além disso, somos presenteados com grandiosas atuações de um conjunto novinho de atores e dentro da história, o incidente gera uma união inesperada e muito bem vinda, posteriormente. 

Com uma apresentação de contos de fadas em uma versão macabra, sobre aceitação e amizade, Larry se aproxima cada vez mais de Oliver, que apesar de suas restrições, sabe discernir muito bem a verdade da conversa mole. A criatura quase não é vista, mas nem precisa ser para amedrontar e causar danos nos personagens. O filme tem uma capacidade inesgotável de provocar suspense e não se envergonha se o sentimos a toa. Como por exemplo, em uma cena em que o pai vai até o carro pegar alguma coisa e retorna para Oliver, enquanto está muito escuro e os dois estão sozinhos em um local. A caminhada não é longa, mas a câmera parada no homem que se aproxima com algum equipamento, nos faz desejar, muito apreensivos, que Marty ande mais rápido. Outra sequência é a da demorada troca de lâmpadas envolvendo Sarah, ou a de Oliver conseguindo medir a aproximação do monstro, com um instrumento introduzido no início do filme. Jacob Chase não tem muita experiência com longas, mas se mostra atento, criativo e sensível, para conduzir uma história assustadora e bem complexa, sem se perder muito. Vem Brincar é baseada em um ótimo curta do próprio Chase, chamado “Larry” e eu recomendo que você o assista, já que ele está disponível no Youtube, se viu ou verá este longa, que está disponível no Netflix. Se não for por mais nada, que seja para conferir o quanto ele fez evoluir duas histórias de sua própria autoria, de uma metragem para outra.