Por uma quantia irrecusável de dinheiro, em 1897, um navio russo parte da România para a Inglaterra, carregando dezenas de caixões, com insígnias que sugerem poder, influência e eu nem preciso falar que esta será uma história de Vampiros vs Marinheiros, certo? O que talvez você não saiba, é que o sangue-suga em questão é o mais famoso de todos, o próprio Drácula e que este filme se baseia em um capítulo do livro de Bram Stoker, relatando o trajeto do Conde no navio Deméter da Transylvania, de onde ele carrega sua terra amaldiçoada em diversos daqueles caixões para Londres, cidade na qual pontos importantes do conto irão se desenrolar. Agora, sabendo que Drácula chega são, salvo e “alimentado” na costa britânica, como curtir uma história onde os heróis estão destinados ao fracasso? Eu lhes digo que é possível, observando outras obras em que protagonistas enfrentam vilões poderosos demais, com resultados catastróficos. No caso de uma jornada à caminho da morte certa, eu ainda acredito que o modo como a história é contada, pode contornar o entendimento aos olhos do público, do que inevitavelmente está por vir. Falhem, cavalheiros, mas falhem com estilo!

O filme teria se beneficiado bastante, se a luta por sobrevivência tivesse sido melhor equilibrada. Deméter tem um problema sério com ritmo e diversas inconsistências, em relação ao conjunto de decisões que tornam a viagem ainda mais desastrosa do que ela precisava ser. Na primeira noite, o vampiro devora todos os animais, que serviriam de alimento e de guarda para aquela longa viagem. A causa da morte e o estado em que os bichos são encontrados, não podem ser explicados com facilidade. Pouco tempo depois, o lanche que Drácula trouxe para o navio, é descoberto, tratado, mas examinado com tanto descuido, que quando são descobertas as mordidas pelo corpo todo, causadas por anos de escravidão no castelo do conde, a presença do dentuço também já deixou de ser um segredo e a reação chega tarde. Com a necessidade de uma tripulação saudável, ou pelo menos da maioria dela, para conduzir com segurança a embarcação por todo o trajeto, principalmente sob a luz do sol, o vilão segura a fome enquanto pode e esta é a sorte dos contratados, que pecam e muito pela lerdeza e pela inércia, fazendo com que o filme fique arrastado por diversos momentos. 

O capitão possui um braço direito, que se torna um estorvo em algumas cenas, desencorajando investigações e ignorando sinais gritantes de perigo. Se estamos lidando com um dos mais poderosos monstros do cinema, não havia a necessidade de um sujeito supostamente de confiança, cheio de experiência na profissão e voz de comando, facilitando o acesso às refeições para um predador. Na verdade, o personagem “futura-vítima-que-só-atrapalha” deveria ser banido dos filmes de terror, de uma vez por todas. Só um dos marujos se incomodou com o sumiço dos ratos, mas ninguém deu bola para a devolução (com acréscimo) do dinheiro dos transportadores dos caixões até o navio, que se recusaram a embarcar e desejaram sorte à tripulação, como quem dá os pêsames, ou para o falido recém-contratado, que também recusou o trabalho imediatamente, depois de ver os símbolos na mesma carga. O sangue no deck, os marinheiros sumindo… Eu me pergunto onde foi parar o senso de urgência, em homens acostumados a trabalhar sob condições adversas, há anos, confiando nos relatos uns dos outros, mas que aqui demoram a fazer o básico para se salvarem. Mesmo não conhecendo nada da lenda macabra, por viverem dentro dela, esperávamos o mínimo de inteligência, do momento em que um deles afirmou ter visto algo sobrenatural a bordo. Incompetência no mundo corporativo até passa, mas em um navio do século dezenove sob ataque, não!

Quando a vinheta da Dreamworks apareceu, eu erroneamente por conta das animações do estúdio, pensei que a história seria atenuada para obedecer aos critérios de um público juvenil, mas felizmente não é só de Shrek que a empresa vive e neste ponto, A Última Viagem do Deméter é muito bem-sucedido. O filme é forte, faz escolhas ousadas e a violência é absolutamente visceral, fazendo com que muitas cenas sejam difíceis de encarar e que certas mortes sejam uma grande surpresa. A produção é grandiosa e visualmente impecável, com uma criação cuidadosa de cenários, objetos, figurinos e sequências impressionantes de ação, morte ou simplesmente de navegação. Efeitos e fotografia de alto nível e a maquiagem da criatura, seguindo a configuração Nosferatu do monstro, passa ao mesmo tempo a sensação de algo grotesco e poderoso. O ator Javier Botet, super alto, magrinho e extremamente expressivo, além de super requisitado para dar vida a alguns dos vilões mais perturbadores do gênero, está um espetáculo no papel do vampiro. O Drácula dele não é charmoso como o de Gary Oldman, ou estiloso como o de Bela Lugosi, ele é uma criatura sádica e sem misericórdia, que não deixa de ser uma figura muito temida, até quando se esconde nas sombras com um ar de pseudo-fragilidade. 

A batalha final, segue o desfecho que é descrito no capítulo do livro dedicado ao navio, mas o modo como o evento acontece, ficou a critério dos realizadores. É uma tragédia anunciada, mas poderia ter contado com mais planejamento e menos palestra motivacional. A execução do projeto é confusa e são tantas soluções que passam pela minha cabeça, que eu me esqueço diversas vezes que até para entenderem a vantagem da luz do dia, eles precisariam ter visto um exemplo dela mais cedo. Talvez eu esteja exigindo demais, de personagens de terror que se comportam como pessoas normais. A verdade é que tinha tanto potencial, que o filme poderia ter se tornado um novo A Coisa (1982). Um vilão sobrenatural, capaz de fazer algumas vítimas mudarem de time, em um espaço físico limitado e inescapável. Não é um filme ruim, mas ele conta muito com a paciência de um público que será sempre, em relação aos personagens que jamais lerão o livro ou verão os filmes, experts em combate contra vampiros. Até relevamos a falta de informações, mas fica difícil torcer por quem não tem tanto compromisso com a própria sobrevivência.