Encaramos com estranheza a princípio, porque a vinheta do estúdio responsável pela produção, demora para acabar até que a gente percebe que ela está vagarosamente se transformando na abertura do filme. Eu morro de medo, mas adoro esta quebra falsa da quarta parede, porque a sensação é de que o contrato que temos com qualquer obra cinematográfica, baseado em saber que o filme vai começar, para nos prepararmos, foi violada e fez o terror saltar para fora da tela e nos pegar desprevenidos. Antes de qualquer chance para respirar, o apenas esquisito vira perturbador, quando vemos a pequena Annie sozinha, apavorada em seu berço, enquanto o monstro se aproxima. Nada se compara, no entanto, à história de Lester Billings, que entra sem aviso e sem ser um paciente no consultório/residência do Dr. Harper. Com palavras desesperadoras e lágrimas nos olhos, ele conta que os três filhos estão mortos e que apenas o primeiro foi uma doença, mas todos acreditam que Lester é o culpado. O Dr. Harper tem que aprender a trancar a porta de casa… e sendo um profissional da saúde mental, seria ótimo aprender a ouvir sobre o medo das pessoas com mais atenção também.

A construção do suspense ao redor da criatura é muito bem feita. Começa com a cena do berço, aumenta com um desenho que Lester entrega para o terapeuta e quando percebemos que qualquer porta entre-aberta, qualquer parte mais escura do enquadramento provoca ansiedade, o terror já saltou para fora da tela mais uma vez e nos transportou para as penosas noites da infância, em que a insônia era habitual e não tinha nada a ver com contas a pagar. O interessante é que logo no início há uma aparição parcial do bicho-papão (e eu estou utilizando este termo porque é exatamente esta a tradução de Boogeyman), indo contra a fórmula do “menos é mais”, mas ao invés de diminuir a mística em torno do vilão, a manifestação prévia reforça a ideia de que ele deve ser muito temido, com uma demonstração de força destruidora contra quem ainda é um bebê, em uma sequência difícil de assistir. 

É um monstro familiar para todos nós, em conceito e os truques utilizados no filme não são novos, mas são eficientes e eu gostaria muito de que eles fossem usados com mais frequência, apesar dos danos que eles causam nos meus nervos. Eu estou falando de algo como uma cena que presumimos que esteja concluída, porque a ação ou o diálogo nela acabam, mas a câmera não corta e os personagens ficam lá, vivendo normalmente, enquanto observamos desconfortavelmente, esperando que alguma coisa aconteça. É outra violação do acordo cinematográfico e uma injustiça com a gente, porque o evento sobrenatural e inexplicável tem que acontecer com quem está dentro do filme, mas se o personagem não está ciente, ele acontece somente com quem o assiste. Quando o bicho aparece por inteiro, o design já está meio desgastado, mas a aparência dele é o que menos importa. Trazido por Lester, ele está em uma casa normal, onde mora uma família como qualquer outra, atraído pelo alimento que mais gosta e do qual ninguém está a salvo de sentir. Seu maior alvo é a integrante mais indefesa da família, na idade em que relatos paranormais têm ainda menos credibilidade do que o de costume. Tudo o que é espiritual que uma criança denuncia, vira “amigo imaginário” e mesmo sendo inimigo, certamente não existe!

Os novos anfitriões do monstro, estão em um estado silencioso de sofrimento e se recuperando com muita dificuldade, da perda recente da mãe da família. O Dr. Will Harper, quando não está com um paciente, no consultório mantido dentro da própria casa, esquece propositalmente que é um profissional das emoções humanas, em relação às duas filhas que querem falar sobre seus traumas. A adolescente Sadie, pela idade e por ser a que possui mais lembranças, é naturalmente a mais revoltada. É com pena que vemos suas tentativas frustradas de comunicação com o pai, de busca por um sentido para a morte da mãe e por um pouco de alívio para a dor. Fica mais difícil quando as poucas amizades seguem vivendo normalmente e quase sem empatia. O pai deveria ser o ombro, mas ele ainda não consegue abraçar esta tarefa. O filme coloca Sadie como a protagonista, mas o tema do terror é todo sobre Sawyer, a pequenininha da casa. Ela é aparentemente a menos afetada pela perda, mas é também a mais propensa a ver monstros no armário e embaixo da cama. Atraído pelo cheiro da dor da família, prolongado pelas doses cavalares de medo que ele adora provocar, aqui, este monstro não precisa ser imaginado. O maior problema do filme, para o qual eu estou rasgando a maior seda até agora, no entanto, é não aproveitar a oportunidade de combatê-lo da maneira apropriada… pela inanição!

Baseado em um pequeno conto de Stephen King, o filme se estica algumas vezes, para permanecer na categoria de longa-metragem. A sorte é que o bicho gosta de brincar com a comida. Tendo dito isso, é justo reconhecer que os ótimos sustos e que cada aparição da criatura tem consequências e gera modificações na história. Pessoas morrem, amizades são desfeitas e crianças são feridas com gravidade. A escolha de manter os cômodos na meia-luz é plausível, já que o papão não suporta claridade e só se assanha à noite, mas irrita, porque até as vítimas de terrores ruins têm o bom senso de correr para o interruptor com mais frequência. Porém, eu estou ciente de que esta história é baseada em um dos maiores medos da nossa memória coletiva. Um medo que realmente fica para trás com o passar dos anos, então, por mais ridículo que seja a ausência de aparelhos acessíveis de iluminação, que podem ser carregados (e recarregados) com facilidade para todo canto, parte de mim entende a incredulidade de um adulto que prefere a luz de centenas de velas, mesmo em uma situação constante de combate, por conta de perda de entes queridos para um monstro, já que o conceito da existência deste monstro, ainda é infantil demais para ser levado a sério. A edição de som também merece crédito, porque é muito competente e absolutamente indispensável, ainda mais quando descobrimos que o bicho possui uma vantagem sonora assustadora e muito engenhosa.