Nobuhiko Ôbayashi foi um diretor bastante entusiasmado com a própria profissão. Eu não digo isso apenas pelo extenso currículo do homem atrás das câmeras, mas também porque julgando por esta obra, que é uma espécie de aventura psicodélica onde nenhuma ideia é descartada, por mais maluca que ela seja, que conferimos aquela paixão pela comunicação, que não permite que certos indivíduos trabalhem em exatas. É durante as cenas mais atípicas, numerosas neste filme ligado nos duzentos e vinte volts, que a direção demonstra uma euforia, um dinamismo, que é muito difícil considerar que certos acontecimentos sejam aleatórios, mesmo fora do contexto do filme. Ele não tem freio e eu o imagino no set de filmagem, super sério, orientando a equipe antes de uma sequência em particular: “Muito bem, pessoal, hoje filmaremos a cena em que o professor cai da escada e prende a bunda no balde, que sai deslizando pela rua do lado de fora da escola. Como vamos utilizar Stop Motion, eu peço muita atenção para evitarmos erros de continuidade”.
As adolescentes, personagens principais do filme, possuem nomes especiais, que refletem suas personalidades na história e nunca fica claro se são apelidos, ou se é de batismo mesmo. Se for o caso de nome de verdade, que coincidência que elas sejam tão próximas na escola, como as Spice Girls do terror. Oshare (Elegante), a mais bela da turma, arranja o que pensa ser um modo seguro de desafiar o pai, após descobrir que os planos para o feriado prolongado envolvem a nova namorada dele. Com o coração partido e vendo que o restante das Spice também ficou sem planos, ela convida Fanta (diminutivo de Fantasy), Sweet – a maníaca por limpeza, a comilona Mac, a atlética “KunFuu”, a nerd “Prof” e Melody, que sempre se encarrega de entreter as amigas com algum instrumento, para conhecer o vilarejo onde a mãe falecida nasceu, se instalando na antiga casa da família, onde a tia reclusa ainda mora. Todo mundo topa e de repente, são trocentas bocas a mais para alimentar, naquela residência que não vê visitas ou vassoura há algum tempo, mas não é a tia quem está em apuros. Nada poderia preparar as meninas (nem qualquer um de nós), para os eventos que aquele lugar maldito reservam.

Truques de edição ousados e enquadramentos incomuns. Cenários falsos, desenhados e até animação tomando conta da narrativa brevemente. Em um momento, as jovens mudam de lado e assistem ao filme junto com o público. A trilha sonora não está muito preocupada com o volume ou a compatibilidade com a cena, ficando tão exagerada em certas partes, que fica complicado prestar a atenção em outra coisa. As atuações são… bom, elas são engraçadas, mas com todas as loucuras que são utilizadas para contar esta história, Ôbayashi mantém a linha, para que nunca fiquemos confusos sobre o que está acontecendo. Uma decisão muito bem tomada por parte do diretor, compreendendo que seu filme tem muitas distrações, é mostrar a progressão dos eventos, ao invés de resolver deslocamentos temporais com diálogos, como vemos em muitos roteiros, que também utilizam desta facilidade para economizar recursos. Nós vemos todos os detalhes, ainda que muitos pareçam uma alucinação coletiva, das circunstâncias que determinam o destino de todos os personagens e o ritmo do filme não sofre com isso. Tendo dito tudo isso, é importante ressaltar que chegando na casa em questão, os acontecimentos se aceleram e também que os efeitos especiais podem estar ultrapassados, mas que há um cuidado muito especial com a fotografia e principalmente com a direção de arte. O filme todo é de um colorido tão bonito, que se não fosse o conteúdo macabro e a nudez, chamaria a atenção de crianças como O Mágico de Oz ainda chama.
Não é apenas o visual, é a história que também parece infantil, por ser apresentada com uma doçura diabética, na superfície. Diversas princesas, uma bruxa sobrenatural, móveis vivos e nenhuma noção de perigo real, por parte das adolescentes sendo eliminadas, uma por uma, com uma violência horripilante. Todas distraídas, exceto por Fanta, que observa amigas desaparecendo, corpos se multiplicando e a tia de Oshare aprontando, mas quem daria crédito para uma testemunha que fanta… sia demais? Trata-se de um filme sinistro, cujo surrealismo deixa de ser fofinho aos poucos, para se tornar infernal, mas de uma certa forma, ele nunca perde o ar juvenil e eu acho que saquei a proposta deste trabalho icônico do cinema japonês de terror. É como se uma criança, ou diversas delas estivessem tentando contar uma história de terror para um adulto, que anota tudo e não questiona os absurdos, apenas questiona o próximo passo até o absurdo seguinte. O segredo é fazer de tudo para que o roteiro permaneça fiel ao relato, sem perder o sentido, a inocência e a atenção de um público que até topa umas viagens na maionese, mas ainda espera ver sangue.

Se as crianças são imaturas e não compreendem o quão grotescas suas ideias realmente são, o trabalho da direção é mostrar todo o potencial do terror ingênuo, sem amarras, como se tudo não passasse de uma grande brincadeira. Só não há como convidar o público infantil para conferir o resultado. De uma idosa confinada a uma cadeira de rodas, em poucas horas, a tia e sua casa faminta, recuperam toda a vitalidade às custas das jovens visitantes. Quando não dá mais para ignorar o que está acontecendo, não sobra muita gente para combater aquela monstra, que não poupa nem a família. É uma obra cheia de imaginação e criatividade, mas é preciso admitir que o filme também é super agitado, barulhento e cansativo, como uma classe de jardim de infância. Se isto é proposital, eu não sei. Não há tédio, mas pode ser considerado super estimulante. De qualquer forma, é um filme que compensa ser enfrentado, não só pelo grande esforço e amor que certamente foram necessários para realizá-lo, mas também pelo quanto ele consegue dar medo, entreter e surpreender, em meio a tanta bagunça.
