Eu sinto que preciso dizer nesta crítica o nome em inglês também, para que você tenha todas as referências necessárias para encontrar o filme, que não foi feito em Hollywood e não é muito conhecido. Eu também temo que este poster super mal feito, representando os piores trabalhos de Photoshop na história do Photoshop, faça com que você literalmente julgue a obra pela capa, apesar de que grande parte da diversão aqui, depende de deixar as expectativas baixas mesmo. Quem me conhece, sabe o quanto eu sou fácil, no sentido de que é só se fazer de morto, levantar e sair atrás do povo, que já tem todo o meu interesse, mas eu peço que o modo ultra-precário com o qual este exercício do cinema de terror se expressa, logo na apresentação, não desanime a sua mente acostumada com esforços mais zelosos. Vença a primeira etapa, que não dura mais do que dois minutos, depois passe pela prova de fogo, um pouco mais longa, que serve como teste para separar públicos, os merecedores dos casuais e você será presenteado com um dos mais originais e bem feitos filmes de terror dos últimos tempos.
É um desafio falar de One Cut Of The Dead, sem estragar pelo menos algumas surpresas que o filme reserva, mas tentaremos. Esse foi um dos que me fizeram lamentar o abandono deste blog, porque eu queria muito recomendá-lo e felizmente falar sobre ele, revelando partes da história, é muito diferente da experiência de assistir à quebra constante de expectativas e às reviravoltas proporcionadas por um roteiro despretensioso, porém muito bem amarrado. Talvez não tenha tanto problema se eu disser que até os créditos finais rolarem, você terá respostas para a série de acontecimentos esquisitos e aparentemente acidentais, aos quais você será exposto por um bom tempo. Se isto não servir como um “aguente firme”, quem sabe se eu te disser que esta é uma grande homenagem, não apenas ao gênero, mas ao modo independente como muitas vezes é possível realizá-lo. One Cut funciona como um filme dentro de outro filme, sendo que esta tática Inception possui no núcleo uma péssima história, mal encenada por ótimos atores, engolida por outra história, bem mais interessante, mas completamente à mercê da sorte para dar certo… e isso não é tudo. Estas informações ajudam? Promete que será paciente, até depois que a vergonha alheia ficar insuportável?

No Japão, dentro de uma fábrica desativada, ou órgão do governo abandonado, sei lá, não fica muito claro; uma jovem foge do namorado que virou um zumbi. Com apenas um minuto de perseguição, o diretor grita CORTA e ele não está nem um pouco feliz. A maquiagem é aquele azul-smurf típico de morto japonês, as atuações são péssimas, já são mais de quarenta takes e dizem as más línguas que o diretor se enfiou em uma dívida pesada para fazer aquele filme. Durante um break super necessário para acalmar os ânimos, a única câmera que grava os bastidores sem cortes, já que a proposta é realmente um plano-sequência, segue os atores e a equipe como se todos estivessem matando tempo. O interessante é que mesmo com esta pausa sendo roteirizada, a falta de assunto incomoda e em diversas ocasiões ficamos muito desconfortáveis… e na tela não é diferente. A sementinha é plantada, quando alguém menciona que a locação tem um histórico macabro. Quando todos menos esperam, um zumbi de verdade aparece! Pior, quando se descobre que o incidente tem o aval do diretor, desesperado por autenticidade, mas espere! Ainda tem muito, muito mais para acontecer.
Vendo o filme pela segunda vez, eu não consigo evitar de cair na risada, toda vez que uma cena me lembra da confusão mental que a primeira assistida provocou. Cada movimento de câmera sem sentido, cada diálogo que é pura enrolação, cada comportamento constrangedor. O negócio é tão exageradamente anormal para o que entendemos sobre cinema, que não há outra alternativa para os mais curiosos, a não ser forçar fidelidade para uma história que nem é história direito. A narrativa é conduzida de uma maneira tão rara, que a nossa reação vira um “pagar para ver”, até entender onde tudo aquilo pretende chegar. Tendo dito isso, eu espero que você preste muita atenção, em absolutamente tudo. Tudo é muito bem ensaiado, mas não parece, já que a produção abençoada, briga com unhas e dentes para passar a ideia de incompetência. É um grande jogo de distração, que conta com a nossa falta de fé em filmes com ares amadores.

Minha parte favorita, na primeira das três partes nas quais este filme se divide tão bem, é quando a jovem grita alguma frase indignada e depois grita a mesma coisa, pausadamente e bem mais alto. Eu não sabia que seria a minha favorita até ter mais contexto, sobre esta e outras cenas bizarras que acontecem, ou melhor, que dão errado no filme. É bom dizer também, que diante de tantas inconsistências, o suspense e o terror não são deixados de lado. A câmera é frenética e traduz totalmente a agonia dos personagens e da situação, mesmo que de vez em quando ela dê preferência para as testemunhas do massacre e deixe o massacre na nossa imaginação. Não há visão artística que me faça passar pano para aquela bagunça, mas em um determinado momento, o filme faz o que tanto esperamos e presta contas de todas as suas decisões.
One Cut é um clássico instantâneo, uma carta de amor aos cineastas amadores, aos talentos esquecidos das telas e aos talentos mal-apreciados atrás delas. O filme aborda estrelismo, pressão de produtores e porque não, até a substituição de técnicos treinados por leigos em casos de emergência. Do terror, ao drama, ao caos completo, as atuações se mostram genialmente dúbias, para servir a mais de uma interpretação, de acordo com a linha do tempo do filme. Um take, câmera na mão o tempo inteiro. Desfoque, chacoalhada e imprevistos, em um show que não pode parar de jeito nenhum. Por favor, veja do início do filme até o final dos créditos. Como diz o filósofo Fausto Silva: Quem sabe faz ao vivo! Quem não sabe, mas tem boletos vencidos, também faz! Se dá certo ou não é outra história.
