O programa de t.v. fictício dos anos 50, do qual este filme às vezes finge fazer parte, se chama “Teatro do Paradoxo”, um seriado antológico de ficção e terror no estilo de Além da Imaginação. O longa disfarçado de episódio, caminha o tempo inteiro e com muita destreza por dois mundos, ou dois públicos. Com uma hora e meia de duração, ele é do tamanho da atualidade, na qual produções obedecem somente à vontade dos realizadores e não a disponibilidade na grade de uma emissora. Com frases saídas de um filme noir da época em que a história se passa, ele também foi feito para os nossos avós, já que não há nenhuma intenção de reciclar vários termos, para que os mais jovens entendam tudo o que é dito. Falando nisso, ainda bem que A Vastidão da Noite é um filme da Amazon, um serviço de streaming que ao contrário de uma verdadeira sala de cinema, permite que o público pause, retroceda e escolha o tipo de legendas, para curtir esta verdadeira delícia de filme, no máximo que o nosso entendimento permite, com tantas gírias antiquadas, pronunciadas na velocidade dos nossos velhinhos, quando eles eram rápidos. 

É muito mais do que os cortes certos de cabelo e das roupas apropriadas, porque não se trata de personagens rasos. Se a juventude de uma época é o reflexo mais fiel dela, é isto o que vemos aqui, quando um jovem que quer se destacar dos demais, imita sem nenhuma vergonha os ídolos da era de ouro, com maneirismos elegantes e um jeito de falar, com um cigarrinho no canto da boca, que só me vem Humphrey Bogart na cabeça. Além do que pode ser observado, o filme faz um ótimo trabalho nos transportando para o meio do século passado, com o intuito de nos fazer experimentar a cultura da maneira como acontecia com as pessoas daquele período. Assim como a minha geração entende, o que significa ter que rebobinar filmes para devolvê-los para a locadora, ou como era sair correndo no desespero para a cozinha ou para o banheiro, durante o intervalo comercial de algum programa, para não perder o conteúdo, a geração que está hoje aposentada, cresceu acompanhando histórias contadas por um estranho no rádio. Se não fosse uma rádio novela, não tinha nem uma encenação, apenas narração e o filme nos prova o quanto este tipo de entretenimento ainda funciona, diversas vezes, chegando a deixar a tela completamente preta, sem cerimônia nenhuma, para que o público acompanhe o relato intrigante de um ouvinte, com uma oportunidade rara de fazer parte da história da comunicação. 

Leva um tempinho e eu não vejo mal nenhum nisso, na verdade, eu sugiro que você fique confortável e se divirta, sem se preocupar se um monstro vai pular de um arbusto, para pegar algum personagem de surpresa. As informações são ambíguas e discretas, tanto que até nós ignoramos a princípio, os sinais do acontecimento extraordinário que se aproxima. A primeira pista, é que em determinadas regiões da minúscula cidade de Cayuga no Novo México, a energia elétrica está falhando. Considerando que no ano passado, os responsáveis pela pane foram os esquilos roendo cabos, é provável que neste ano seja a mesma coisa. A maioria dos habitantes está a caminho da escola, onde o time local de basquete está para levar uma surra dos visitantes no placar. Everett, um DJ na rádio local, dá as últimas instruções à equipe sobre a gravação do jogo, que será transmitido no dia seguinte. Não importa quem ganha, ele diz, porque os ouvintes só querem escutar no ar os nomes de seus filhos atletas. Fay, uma telefonista, pede a ajuda de Everett com seu novo equipamento eletrônico e depois do que acompanhamos como uma narrativa simpática e despretensiosa, cada um segue para os seus postos de trabalho, naquela noite que só parece habitual. Então as ocorrências passam a ficar cada vez mais estranhas, a sensação de segurança vai desaparecendo e a ideia de uma invasão extra-terrestre começa a tomar forma, mas vagarosamente, portanto relaxe e aprecie, porque o filme foi feito para isto. 

Apesar de ter início com a vinheta do programa falso, que faz uma homenagem clara à obra-prima de Rod Serling e de deixar o formato antigo invadir a história em alguns momentos, não estamos de maneira alguma vendo uma reprodução fiel de um trabalho de décadas atrás. Que bom! A cópia perfeita do que não volta mais, sem nenhum toque de modernização no enredo e no estilo de filmagem, jamais encontraria público em nenhuma faixa etária. Para os mais novos, seria um filme desinteressante e para os mais velhos, cujas cabeças evoluíram junto com a linguagem cinematográfica, seria redundante como a imitação desnecessária de um clássico, quando ainda se tem acesso ao produto genuíno. Vastidão é nostálgico, não antiquado, levando em conta o que nos é contemporâneo. Não são apenas os diálogos afiados, é o reconhecimento do lugar deles. Não é romance que não acontece por um fator externo, é o entendimento de que um relacionamento entre pessoas com ambições e personalidades diferentes, não precisa de um vilão para dar errado. É um olhar mais realista para uma época mais inocente, mas sem a pretenção de desmerecer a inocência.

A quantidade enorme e… eu diria, bem agradável de planos-sequência no filme, até fazem referência a uma prática de antigamente, quando as poucas emissoras da época, encontravam uma solução para a demanda, acelerando o processo com apenas uma câmera. Muitas vezes vimos algo em preto e branco com cenas longas, super bem ensaiadas, como em uma peça de teatro, só que A Vastidão da Noite está longe de demonstrar na tela, qualquer adaptação feita para disfarçar a falta de recursos, ou facilitar as filmagens. O maior destes planos-sequência, atravessando toda a cidade, passando por uma quadra de escola lotada de figurantes; que o diga. A produção exibe carros, casas, equipamentos e cenários em geral, replicando os anos 50 de maneira impecável. A edição é perfeita. A fotografia ilumina com inteligência um filme que se passa durante apenas uma noite e enquadra somente o que interessa, desconsiderando o que se tornaria pura distração. Já temos Bogart para nos fazer voltar o filme. A trilha é mais do que adequada, mesmo por vezes não parecendo algo de terror, já que o filme finge que não pertence ao gênero, mas ele pertence. Só é um terror de um outro tempo. Eu me apaixonei quando o vi pela primeira vez e queria muito falar sobre ele quando foi lançado, mas sem tomar uma decisão oficial na época, eu me calei, porque as atividades no blog estavam em um período de hibernação.