Eu não posso chamar Nefarious de enganação, pelo burburinho que ele anda fazendo e pela nota respeitável (para um terror) que ele possui no Imdb, porque tecnicamente ele cumpre tudo o que promete, pela sinopse do filme. O que ninguém te avisa antecipadamente e eu vou quebrar este padrão aqui, é que o público que ele agrada é bem específico. O problema é que ele mira no geral, com uma proposta sobrenatural, mas acerta no alvo particular, que até onde eu sei não é muito fã deste tipo de entretenimento. Para entrar neste blog ou na categoria a qual ele se dedica, nunca foi necessário que efeitos visuais de qualquer tipo fossem utilizados, se o medo ainda estivesse presente com um paranormal sugerido e o filme sugere com força, apenas através de diálogos, fazendo com que a única cena visualmente inexplicável, seja um diploma torto que se endireita sozinho em uma parede, após o dono dele se jogar do alto de um prédio, bem no início do filme. 

O serial killer Edward Brady está em uma prisão de segurança máxima, aguardando o horário da execução programada para a última hora daquele dia. Em meio a toda a comoção gerada por protestos contra e à favor da pena de morte, o assassino confesso ainda precisa passar por uma avaliação psicológica providenciada pelo estado de Oklahoma, que basicamente atesta se um sujeito totalmente insano está ou não lúcido o suficiente para morrer. Entra em cena o Dr. James Martin, preenchendo à contra-gosto a vaga do psiquiatra oficial, dono daquele diploma volátil do começo do filme. A última sessão de terapia naquele lugar e sob aquelas circunstâncias, já deveria ser uma atividade horrorosa, mas ela fica pior. Brady revela ser um demônio chamado Nefarious, com a capacidade de manipular o sistema para que o Dr. Martin e somente ele fosse chamado para a tarefa. Segundo Nefarious, o objetivo da presença de Martin, que é ateu, é escrever um livro sobre o emissário do capeta que ele duvida estar avaliando, mas não é tudo. Até o final do dia, “o jovem psiquiatra terá matado três pessoas”. Até o final desta história, no entanto, a autenticidade desta afirmação por parte do demônio, não deixa de ser questionável, dependendo de quem assiste ao filme. 

Não é uma super produção ou cheio de gente famosa. Eu vi apenas um rosto familiar, mas a forma como a história se desenrola, em pouquíssimas locações fechadas, não empobrece o filme. O que faz isso na verdade, é um começo forte e interessante, um meio com ritmo incerto e exagerado em teologia, e um final que não é tão bem sucedido quanto pensa ser. A roupagem completamente diferente tem prazo de validade e a ambição deste longa, se revela igual a outros da dupla de realizadores Chuck Konzelman e Cary Solomon, parcialmente responsável por uma onda religiosa no cinema, iniciada por Deus Não Está Morto (2014). Os diretores perceberam que uma maneira ainda mais eficaz de apresentar conceitos cristãos, seria mostrando a face do mal com um filme de terror, para fazer o público correr na direção oposta, ao invés de um drama morno que incentiva a galera já conquistada, a permanecer na Palavra. O medo não é exatamente deixado de lado, já que em diversas cenas aparentemente calmas, o clima geral é de apreensão e incerteza pelo ser supostamente muito poderoso, mas ele é secundário diante da psicologia reversa dominante, usada para doutrinar os desavisados. Mudaram a tática, mas a mensagem continua a mesma. 

Dentro dos aspectos positivos do filme, o mais importante foi a escalação do ator Sean Patrick Flanery (de Boondock Saints) no papel do assassino Brady, ou Nefarious (“abominável” em português), como ele insiste em ser chamado. Em nenhum momento, seus trejeitos exagerados são uma distração indesejada e ele expressa com muita competência uma constante sensação de perigo, mesmo acorrentado a uma mesa e vigiado de longe por guardas armados, enquanto desvia das perguntas padronizadas de Martin, para demonstrar seus poderes com detalhes da vida íntima do psiquiatra. Nefarious fala rápido e o seu discurso é cheio de cacoetes, só que as frases formadas por ele são semelhantes a de um erudito idoso, com extensa vida acadêmica e não apenas um prisioneiro qualquer, que aproveitou a pena para ler bastante. Eu acredito que os melhores momentos do filme, pelo menos para os que priorizam terror, são quando Flanery recebe a oportunidade de pregar a vontade para o lado inimigo. Existe um compromisso na atuação dele, que fazem o filme valer a pena, com todos os defeitos, porque é impressionante cena a cena, o quanto o assassino convence que o diabo existe e o quanto isto transcende a crença do público em Deus. 

Eu não vou dizer que não reconheço os riscos desta produção, que realmente se jogou em um terreno nunca trilhado, sem se intimidar com reações adversas dos dois lados, o dos fãs de terror e o dos religiosos, porque não é só o sermão que chega sem sutilezas. Eu acredito que pessoas que ignoram este gênero, também ficam longe de dramas com temáticas violentas, então é de se admirar a ousadia em alienar quem já está no seu time, com uma sequência longa, detalhada e desconfortável da execução da pena de morte (sem brincadeira, o negócio é visceral), que não permite questionamento sobre a seriedade no trabalho dos diretores/escritores, juntos há um bom tempo, com um propósito no qual acreditam completamente. O que me incomoda muito como cristã, nunca muito religiosa, mas sempre espiritual, é o uso de assuntos controversos nem mesmo para gerar polêmica, mas como ideias que precisam ser irrefutáveis para o funcionamento do desfecho do filme. Como fã de terror, o que me incomoda é que ele esteja atrelado ao ótimo trabalho de apenas um ator, enquanto o restante do povo estava ocupado em evangelizar. É o clássico “achei que era sorvete, mas era feijão”. Me chamaram para uma festa, mas era uma missa.