Lake Mungo, que não tem título em português, é uma produção australiana com bastante uso de found footage, para enriquecer um documentário falso sobre uma família em luto. Sobre diferentes maneiras de lidar com a dor, eu diria, mas não só para quem está vivo, o que é bem interessante. É um filme peculiar, usando um tema comum no terror, a assombração, com imagens que são algumas das mais apavorantes que eu já vi, só que vendidas como eventos naturais, já que o propósito oficial é nobre. O público é convidado a acompanhar os Palmer em uma jornada de despedida, sem ter direito a se deixar levar pelos sentimentos que imagens de terror causam, porque a prioridade é sempre a tristeza da família. A morte não é o fim, diz a produção. Chorem pelo tempo necessário, se apavorem até que a compreensão venha, mas aceitem esta verdade irrefutável! No meio deste clima de experiência quase científica, no entanto, é que os fãs de terror assistem com a discrição requisitada, um dos filmes mais assustadores de todos os tempos.
Algo de ruim está vindo na direção de Alice e ela pode sentir, como revela a confissão gravada, encontrada depois da morte dela. Durante um piquenique com a mãe, o pai e o irmão, próximo a uma represa, a jovem de 16 anos se afoga sem que ninguém perceba imediatamente. O corpo é encontrado por mergulhadores horas depois e como aquela parece ser uma comunidade pequena, onde tragédias não são comuns, a notícia é televisionada e a comoção é geral. Por este motivo também, quando se espalham os rumores de aparições de Alice pela casa e o modo estranho como a família está atravessando este período, o interesse cresce a ponto de fazer daquela história privada, um registro para a humanidade. Com todo o respeito, sem julgamentos e sem nenhuma censura do que possa ser encontrado no caminho da investigação. A entrega total de informações de todos os membros da família, de amigos, colegas de trabalho, policiais e até estranhos, é surpreendente, como se houvesse um esforço geral e positivo em busca da verdade, com foco primordial nos elementos sobrenaturais, mesmo que alguns colaboradores não estejam confortáveis com o assunto. É um trabalho coletivo pela saúde da família, com o uso quase que exclusivo da categoria mais forte do terror, o que é fácil de se estranhar, mas não podemos julgar. Eu conheço gente que trabalha os próprios traumas, reais ou imaginários, assistindo a uma porrada de filmes de terror. Assiste tanto que tem até blog a respeito…

Apresentado em um formato de programa de tv sobre crimes reais, este documentário falso funciona muito bem, principalmente, pelo compromisso com a veracidade. Só tem uma cena que me incomoda neste aspecto, que é um vídeo caseiro da família, onde os quatro membros estão diante da câmera. Quem sobrou para gravar, eu me pergunto. Me irrita profundamente, quando um filme sofre por uma produção preguiçosa (que decora a casa só com fotos atuais, onde os atores não mudam nem o corte de cabelo, por exemplo), ou quando a dinâmica familiar é descaradamente fabricada. É ótimo constatar que Lake Mungo não caiu nestas armadilhas, que em ficção já são problemáticas, mas em uma tentativa de imitar uma história real, são muito piores, sendo o fator principal para a quebra do envolvimento do público. O roteiro é sólido, mas são as atuações impecáveis que fazem deste filme uma verdadeira Bruxa de Blair, só que sem o sensacionalismo. Além de gravações pseudo-particulares, convincentes pela qualidade pobre e pelo conteúdo espontâneo, temos os mais variados depoimentos, sem nenhuma lágrima, porque ninguém quer, com tanta realidade sobre um tema tão pesado, que a mensagem seja o drama. Se ele aparece, é um efeito colateral. Algumas “imagens cedidas pela polícia”, mostrando o cadáver de Alice tirado recentemente da água, inchado e quase irreconhecível, são bem desconcertantes para qualquer público. Faz parte do show, que manipula direitinho quem em outros filmes do gênero, teria a licença para sentir repulsa. Se está ruim para você, imagina como foi para o pai que teve que reconhecer o corpo!
No começo são relatos sobre barulhos no meio da noite, mas como essa é a norma em inúmeras vizinhanças pelo mundo, não parece grande coisa. Ainda cedo no filme, Matthew, o irmão, aparece com hematomas inexplicáveis por todo o corpo. Em seguida, os parentes falam sobre pesadelos macabros, visões da jovem pela casa e com toda a sinceridade, considerando o quanto esta produção é convincente e como os atores parecem uma família de verdade, já seria o suficiente para que o suspense se instalasse, com que o público imaginando o que nem precisa ver. Acontece que algo raro, talvez até inédito toma conta da produção. Trata-se de Alice, alguém que somos convidados a conhecer intimamente, aparecendo como um fantasma em fotos e vídeos, quando estamos acostumados no terror a espíritos sem laços afetivos. É impressionante o impacto causado pela presença intrusa, de quem somos condicionados a ver pelos olhos de quem ainda sente muita falta dela. Sem efeitos especiais e sem alardes, é como se fosse a prova real de vida após a morte, com o rosto e o corpo inconfundíveis da garota, algo fascinante e apavorante, até que uma reviravolta no meio do filme, traz um senso temporário de alívio no medo e outro senso permanente de tristeza. O terror pode até pertencer a quem vê o espírito, mas ele não se compara ao drama, de quem precisa aguardar o medo alheio ser superado, para ser visto.

Um plot paralelo, meio sem pé nem cabeça aqui, com o envolvimento dos vizinhos, serve para literalmente apimentar algumas biografias, mas é só isso mesmo. Não é exatamente um problema, por ser o tipo de distração que aqueles programas policiais adoram usar em seus crimes reais. Alguns truques do filme incluem a demora no corte em cenas sobrenaturais, como se não fosse um terror e sim um estudo sobre o fenômeno. Assim como a ideia de que o maior objetivo do documentário é conseguir a nossa simpatia. As câmeras que registram as aparições, são sempre as dos personagens e estas, como a história comprova em alguns momentos, são suscetíveis a alterações. A câmera do documentário, que nos separa do que está acontecendo, permanece estrategicamente como um instrumento terceirizado, mostrando além dos depoimentos e das captações amadoras de quem participou da história, encenações de relatos sem efeitos que mostrem algo sobrenatural. Aconteça o que acontecer, estamos seguros do lado de cá… até que as últimas imagens do filme, liberam a família do sofrimento e o transfere para o público, que deveria ter prestado mais atenção para perceber as revelações genuinamente assustadoras. Mesmo sendo coagido pelas regras do drama, a considerar a dor de personagens fictícios acima de tudo, nunca se esqueça de que no cinema de qualquer gênero, o alvo é sempre o público.
